Um dos grandes desafios para falantes brasileiros de português diante da empreitada de aprender tanto a língua italiana quanto a língua inglesa é como se acostumar a usar nessas línguas as expressões relativas ao que, em português, expressamos como o verbo HAVER. Para início de conversa, o verbo haver é proveniente de uma linhagem de verbos provenientes do verbo HABERE, do Latim. Podemos verificar verbos derivados de habere em várias línguas latinas e não latinas como em italiano (avere), francês (avoir), romeno (avea), inglês (have), alemão (haben) e espanhol (haber). É interessante observar, no entanto, que habere (que em Latim significa “ter” de propriedade, posse) tem o mesmo significado em quase todos os verbos que se derivaram dele, com exceção de espanhol e português. Em espanhol e em português, tanto haber quanto haver significam algo como “identificar a presença”. Muitas vezes o verbo haver é comparado com o verbo existir, o que não é de todo errado, mas também não explica tudo. Existir é um verbo que é usado em contraposição a não existir. Normalmente usamos o verbo existir quando há uma discussão sobre existência ou não existência como “existe vida em outros planetas”. Ninguém diria, no entanto, “existe um carro estacionado na rua”, uma vez que não há ninguém dizendo que ele não exista. Neste caso, usaríamos “há um carro estacionado na rua.” pois o objetivo é o de identificar a presença desse objeto em um determinado lugar, e não discutir a sua existência. A questão é que, no Brasil, o verbo haver tem sido usado cada vez menos e, no seu lugar, cada vez mais, usamos o verbo ter. É muito mais frequente ouvir a forma “tem um carro estacionado na rua” do que a mesma frase com o verbo haver. Isto já está tão amplamente difundido em nossa cultura linguística que muitos brasileiros não têm consciência de que o verbo ter é usado com dois significados muito distintos. Quando dizemos “a menina tem uma bolsa” estamos falando da ideia de propriedade. Quando dizemos “tem uma bolsa sobre a mesa”, por outro lado, estamos falando da ideia de “identificar a presença”. Para tirar a prova disso, apenas na frase em que o verbo ter é usado no sentido de identificar a presença podemos substitui-lo por haver. Não faria sentido dizer “a menina há uma bolsa”, mas a frase “há uma bolsa sobre a mesa” é perfeitamente correta. Nada disso seria um problema se em outras línguas, esses dois conceitos fossem usados com elementos diferentes. Tanto em italiano quanto em inglês, os derivados de habere, do Latim, respectivamente avere e have podem ser usados apenas no sentido de ter, de propriedade: I have a car.Io ho una macchina. e jamais podem ser usados no sentido de haver (identificar a presença). A seguir, dos exemplos de erros muito comuns em alunos iniciantes das duas línguas: Have a car on the street.Ha una macchina sulla strada. Os erros nas duas línguas ocorrem exatamente pelo mesmo motivo. Uma vez que se tem a consciência de que ter é usado em dois significados diferentes em português, tenta-se traduzir os dois significados da mesma forma em inglês. O aluno que quer dizer em outra língua que “tem um carro estacionado na rua” traduz imediatamente “ter” (aqui, no sentido de haver, indentificar a presença) como have (inglês) ou avere (italiano), já que são verbos que significam apenas “ter” no sentido de propriedade. Outro motivo que induz o aluno ao erro é a semelhança do verbo haver (português) com os verbos avere e have, principalmente no caso da língua italiana. É uma tarefa árdua saber da existência de uma frase como “ha una macchina sulla strada” e ter que se convencer que este “ha”, tão parecido com o nosso “há” do português, não significa haver. Para facilitar nossa vida, cabe aqui uma reflexão interessante sobre a semelhança das formas do inglês e do italiano usadas para o significado de haver. Ambas as formas são expressões que usam o verbo “ser” de cada língua, a saber, “to be”, do inglês e “essere” do italiano. tanto “to be” quanto “essere” possuem os significados de “ser” e “estar” do português. Estas expressões também são semelhantes no sentido de que flexionam para o plural, enquanto haver, em português, é sempre usado no singular. A seguir, alguns exemplos: Em inglês:there is a car on the street (há um carro na rua)there are many cars on the street (há muitos carros na rua) Em italiano:c’è una macchina sulla strada (há um carro na rua)ci sono molte macchine sulla strada (há muitos carros na rua) Retomando o que dissemos anteriormente, perceba que tanto nas formas em inglês (there is, there are) quanto na forma em italiano (c’è, ci sono) temos o verbos to be e o verbo essere conjugados. Podemos perceber também que a mudança pro plural nos verbos em inglês e italiano não gera mudança pro plural nas traduções pro português, já que o verbo haver não possui forma plural nesse tipo de situação.